Bem vindo a este espaço de troca e reflexão de ideias.

O QUE SENTIMOS PODE SER FALADO.

sábado, 28 de novembro de 2009

AMIZADE.

Meu irmão e brother eram denominações usuais nas falas de Teo. Quando as utilizava queria me mostrar que o amigo em questão era importante para ele e se diferenciava dos demais. Alguém confiável e disponível a qualquer hora.

- Colega é uma coisa, amigo é outra! Jogo bola com muita gente que não conheço, não dá para considerar todo mundo amigo.
Concordei com ele e lhe perguntei que amigo vinha acompanhando o final de seu casamento.

- Nenhum, respondeu.

- E com quem você fala sobre seus sentimentos de medo e insegurança?
Silêncio.

Percebi que brother era um nome que Teo empregava para diferenciar um colega de outro, expressão de um desejo de que alguém ocupasse este lugar. Quando usava esta qualificação estava se referindo a um vínculo definido pelo número de vezes que fazia alguma coisa com alguém quer seja; ir ao Maracanã, assistir campeonatos pela tv ou jogar sinuca. Brother não era sinônimo de alguém com quem se mantém uma relação de intimidade, mas um código que o retirava da solidão através da fé de que existe alguém igual a si mesmo.

Intimidade para Teo era algo para ser vivido com uma mulher, não era sinônimo de amizade, mas de relação sexual. Portanto, não poderia ser intimo de um amigo e correr o risco de ser taxado de gay.

Por ora, o gay reconhecido por sua sensibilidade, delicadeza e extrofia reforçam esta mesma tese, fazendo com que a relação de intimidade seja uma exclusividade daquela vivida com um parceiro. Os gays realizam o que os heteros temem. Contudo, ambos demonstram o quanto é difícil para um homem estabelecer com outro homem uma relação de intimidade que não passe pela cama quer seja como desejo ou fobia. A cama parece ser o destino de todo homem, não importa com quem ele se deite.

Teo me contou histórias em que amigos traíam seus brothers tornando-se amantes de suas mulheres. Contou-me também que conhecia alguns gays que ao perceberem o interesse e o carinho de um homem por outro imediatamente o taxavam de um covarde que não saia do armário.

- Mas afinal, se um heterossexual pode ser um homossexual enrustido, por que um homossexual não pode ser um heterossexual que não sai do armário? Perguntou Teo.

O que faz com que o sexo assuma um lugar central na vida de um homem, disciplinando-o a olhar para qualquer mulher que passa diante de seus olhos, não foi sua necessidade de amar, mas de provar para si mesmo que ele é um homem. O sexo vem sendo utilizado para abarcar a excitação gerada pela dúvida sobre quem ele seja, uma descoberta que sobre a qual seu desejo não lhe dá garantias. Dom Juan perguntou para a primeira mulher com quem se deitou: quem você quer que eu seja?

Muitos homens não conseguem admitir o impacto que esta pergunta causa sobre si quanto ela é conduzida por seus desejos. Para escapar do transtorno desta situação se dizem rapidamente: “eu sou hetero, eu sou homo, eu sou bissexual”.

Posto desta forma, a excitação não cessa, e o desconforto gerado por ela faz com que as práticas sexuais assumam um lugar de destaque na vida dos homens.

- Faço sexo com homens, disse Santos, mas não me envolvo com nenhum deles. Isto eu faço com uma mulher. Eu quero o prazer, não quero nenhum tipo de envolvimento.

Para evitar manter em si uma pergunta sem resposta, os homens usam o sexo. Contudo, é exatamente por não tê-las que podemos chegar o mais perto possível de nós mesmos. Definir a pergunta a partir do que deva ser a resposta não faz de ninguém um homem, mas o transforma em uma cópia de uma matriz que se perdeu e da qual não se sabe a origem.

- Os homens nascem com mais desejos sexuais do que as mulheres. Eu sempre soube disto!

Desde o nascimento paira sobre um homem a dúvida: você é ou não é homem? O sexo foi um dispositivo eficiente para isto. Alguns não suportam o desconforto causado por esta incerteza, nem reconhecem o quanto sua história pessoal tem a ver com esta hesitação. A incapacidade para formar vínculos firmes, profundos e duradouros faz com que muitos homens tomem a opção sexual como um parâmetro para sufocar a vida que pulsa neste embaraço. O sexo desembaraça uma parte de nós, mas não tudo o de nós existe. Sabemos muito pouco sobre isto. Neste caso a opção sexual se tornou à certeza de que a desconfiança foi resolvida.

Posto desta maneira a amizade entre homens é terra de ninguém. Haja vista, que o amor entre homens nasce antes mesmo que a marca sexual se imponha. Admitir que se ama outro homem significa experimentar ameaças anteriores a este momento, um tempo em que não existiam definições. E isto é o mesmo que por em risco tudo aquilo que aprendeu sobre si mesmo, independente da orientação sexual, etnia ou classe social.

Amar outro homem é vê-lo como uma possibilidade para si da qual se abriu mão, confirmando o caráter acidental da vida e do sexo segundo o qual nascemos. A marca sexual nos atravessa desde o nascimento e se impõe como um acidente que tantas vezes tentamos driblar, sob o argumento de que nossos desejos são absolutos e nos fazem crer que podemos ser o que eles arbitram: homens ou mulheres. Se admitirmos que é impossível vencer a morte, talvez transformemos nossa impossibilidade de amar, pois o amor quando usado como força de superação ou busca da plenitude fica refém do inviável.

Desde menino, um homem aprende que, se vencedor, superará a morte, sem se dar conta que esta tarefa atrofiará sua capacidade de amar. Resta a este homem organizar sua vida em torno do sexo porque somente o gozo para lhe dar a sensação de que venceu a morte, mesmo que ilusoriamente e por segundos.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A MISTICA MASCULINA.

Alex é separado, tem um casal de filhos e afirma que não está preparado para uma nova relação; Nestor é casado, também tem dois filhos, uma amante e declara que precisa de mais liberdade; Diego é solteiro e procura a mulher perfeita, Salsicha é seu cão e melhor amigo; Tomas é divorciado e deseja uma nova relação, mas esta deve segir suas prescrições.

Mulher é um assunto recorrente entre homens. Mas por que será que se fala tanto? Talvez pela diferença que há entre elas e os homens no modo como as segundas filtram a realidade. Uma mulher faz isto melhor do que um homem.

Por este motivo, elas são portadoras de um frescor e de uma leveza desconcertante, donas matreiras da suposta sabedoria do mundo. Graciosas, exalam sensualidade e beleza nos fazendo crer que o mar foi lhes dado como um presente, recompensa de algum deus por terem tanta obstinação. Resta então conquistá-las, seduzi-las, tomá-las para si como um gesto de quem deseja alegria para viver. Porém, um homem quando não sabe seduzir uma mulher estará perdido, porque certamente estará a mercê de sua sedução. Temendo que isto ocorra, elas foram transformadas em objeto.

Ouvindo as histórias de Alex, Tomas e Diego, percebo que algumas mulheres tem um certo fascínio e habilidade para tentar salvar homens que são verdadeiros farrapos, as vezes conseguem. Mas há também aquelas que procuram homens sãos e os transformam em molambos. Invariavelmente conseguem. Creio que se fala tanto de mulher para escapar da condição imaginária onde se é seu joguete e prisioneiro. Maltratá-las, demonstra que continuam enfeitiçados pelas filhas de Circe, pois pensam que todas as mulheres são iguais. Diego dizia que essas mulheres que se bastam são feitas de mentira, astúcia e sempre tiveram talento para por fazê-lo acreditar que sem elas, sua vida não tinha saída. Quando ele se sentia assim, pensava que a mulher não tinha alma ou então que ela era tão pequena que passaria imperceptível pelo mundo caso não lançasse mão da beleza e da vaidade.

Eu também ouvi histórias onde elas foram descritas como frívolas e superficiais, neste caso, corria fama de que se um homem quisesse uma mulher jamais deviria esquecer o chicote, porque estar com uma mulher é estar sempre diante de Dalila. Sem perceber que filtram o mundo diferente das mulheres, fez com que alguns homens formulassem uma tese sobre a natureza da mulher. Por meio dela, explicam o fato de que elas desprezam quem as ama e amam quem as detesta.

A experiência vivida por alguns homens com algumas mulheres fez com que eles concluíssem que menos mal lhes farão os homens que os perseguem do que as mulheres que os seguem. Esse foi o motivo pelo qual se criou o Clube dos Homens, pois somente se sentindo parte de um time será possível manter a ilusão de que um outro homem interceda a seu favor. Tentando escapar da sina de Prometeu, os homens modelaram suas identidades a partir dela: solitários, se protegem para que suas entranhas não sejam arrancadas.

Quando tudo isso começou a ficar posto desta forma? Por que para alguns homens elas se tornaram um fardo tão pesado? Isto já foi diferente?

Estas perguntas nos instigam a pensar como os homens experimentam a liberdade. Quantos foram os homens que de fato exploraram a experiência de liberdade interna, que puderam conquistar a única riqueza que existe que é a posse de si mesmo, pois o que há além disto é matéria. A vida só deve ser posta em risco quando dela a liberdade escapar, pois sem liberdade ela é escravidão. Mesmo que a liberdade seja um conceito vago para muitos homens, o esforço para adquiri-la na vida não é. Nem todos os homens se fizeram merecedores de serem livres, mas apesar disto se denominam homens e guardas do prontuário onde se determina o que significa ser homem. Ser livre é poder ser desigual e muitos homens ainda não perceberam isto. A singularidade é desigual, não existe um homem igual ao outro e o que nega isto é religião.

A liberdade de ser é uma conquista que ainda não faz parte do mundo dos homens quer sejam eles hetero ou homossexuais. Para contornar isto criaram os heróis e o céu, pois no inferno está quem não seguiu nenhum protocolo, fez o que quis, viveu a pior dificuldade, queimou velhas opiniões, substituindo-as por novas.

Entre homens muito pouco se fala da experiência emocional que faz com que um homem se torne ele mesmo. Mesmo nas relações mais intimas este assunto se reveste de um silêncio constrangedor. A narrativa sobre o exercício amoroso destituído das mascaras do poder, da autoridade e da posse infelizmente ainda não fazem parte da relação entre homens.

Alex me contou sobre a conversa que teve com seus amigos. Após o jogo, todos foram para o bar de sempre e depois de alguns copos, as palavras ficam livres quebrando o tom monocórdio do diálogo. Segundo ele, Diego não media esforços para encontrar a mulher perfeita. Apesar de se sentir forçado a olhar para qualquer mulher, não escondia o receio de ser rejeitado ou de não saber o que dizer a ela. Nestor ouvia mais do que falava e Tomas adorava fazer piadas.

- Você me disse que elas ficam irritadas com suas piadas. Por que?

- Alex, uma vez eu perguntei a uma namorada por que Deus inventou a mulher. Como ela não sabia, eu respondi que era porque uma ovelha não sabia cozinhar. Rapaz ela ficou furiosa, eu só estava brincando.

- Meu amigo, isto não tem nada de engraçado.Vou lhe contar uma outra história que aconteceu comigo.

Há um mês atrás Ana chegou em minha casa dizendo ter uma ótima noticia. Perguntei o que aconteceu e ela disse que havia encontrado um apartamento para ela.
Isto não fez o menor sentido para mim. Se ela diz que me ama e eu estou disposto a assumir um compromisso com ela, por que casas separadas?

Na minha cabeça, era como se nossa relação estivesse passando por uma de troca de papéis, em que eu desempenhava o da mulher tradicional. Ela chegava querendo sexo e eu dizia: "Peraí! Vai com calma!” Mulheres com desejos sempre me assustaram.

Tomas interrompeu a conversa dizendo:

- Quando acabou meu primeiro casamento uma imagem me acompanhou durante muito tempo. Eu pensava em um cara se virando, dando uma porrada na cabeça de meus filhos e dizendo: Olha aí, vocês não tem mais família... Não terão mais sábados ou domingos felizes, acabou!Quando essa imagem aparecia, eu era tomado pôr um ódio sem tamanho. Magoar meus filhos era insuportável para mim.

- Mas Tomas, você não estava feliz naquele casamento, disse Nestor.

- E você Nestor, está satisfeito com o seu?

Como você pode ser feliz se passa à tarde com sua amante e a noite vai dormir com sua mulher? Imagine como seria para você dormir a noite com uma mulher que passa as tardes com seu amante.

- É por essas e outras que eu não quero compromisso.

- Diego seu compromisso é com Salsicha. Você ainda não se deu conta de que não existe mulher perfeita. Você pode construir uma relação satisfatória com uma mulher se desistir de encontrar sua Cinderela, disfarçada de Lady Macabet. Qualquer mulher que passa diante de você é considerada uma namorada em potencial. Eu sempre ouço seus comentários: “que tesão!”.

- É verdade eu jamais conseguiria viver em uma cidade sem pouca oferta. No Rio chove mulher gostosa. E você se compromete com quem?

- Eu me envolvo exclusivamente com meus filhos, falou Alex. Gosto de ser pai e tenho prazer em cuidar deles, Isto me realizada. Quando me separei me senti muito mal. Perdi meu orgulho, tudo o que construí havia sido destruído. Senti-me pequeno. Recomeçar do zero me exigiu muito esforço. Foi uma experiência solitária, mas consegui. Hoje sou um homem muito melhor do que eu era. Eu acho que os homens mais velhos têm uma dívida com os mais moços. Eles não responderam o questionamento que lhes foi feito pelas mulheres. Eximiram-se da responsabilidade de dialogar com uma série de questões da relação homem-mulher e de preparar um novo caminho para as novas gerações. Eles foram pouco generosos com os homens jovens. Mantiveram a premissa de que a amizade entre homens é um latifúndio que só se torna produtivo quando se faz negócio. Sucumbiram ao medo da intimidade entre os homens e se calaram diante da proposta feminista.

Coube a nós desatar e viver os nós desta masculinidade impossível. Creio que só assim poderemos descobrir outras maneiras de ser homem no mundo. Esta roda gira quando aceito sem preconceito meu modo de ser. O que torna um homem verdadeiramente homem é a conexão que estabelece consigo mesmo, mais do que a escravidão do vicio de se comparar e competir com um outro. O compromisso mantido com sua historia e com o oficio de elaborá-la continuamente, fará com que ele tome posse de si mesmo. Existem diferentes maneiras de empreender este esforço, muitos modos de se sentir homem, nenhum deles é melhor ou pior do que outro.

Não é a mulher que deve ratificar a masculinidade de um homem, muito menos um outro homem. A masculinidade deve ser mais um nome dado a experiência de encontro consigo mesmo, caso contrário ela se transforma em uma defesa contra tudo o que se teme em si mesmo, o que se deseja apagar e esquecer. O medo é o pai da solidão, do silêncio que empobreceu durante anos a compreensão sobre a masculinidade. Este sentimento tornou os homens duros, incapazes de filtrarem com leveza e humor o que brota de dentro deles próprios. A melhor estratégia foi mentir para si dizendo que são objetivos e racionais.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

BRIGA.

Max estava no limite. Ele sentia que daquele ponto em diante partiria para a briga. O sujeito o havia provocado de todas as maneiras como se soubesse de antemão que o derrotaria. Havia nas provocações a arrogância do vencedor diante do vencido. Max pensava nas conseqüências que sua atitude de recusa lhe trariam. Estava visivelmente pálido, ele sempre fugia de um enfrentamento apesar de nunca saber o motivo. O coração acelerado parecia que saltaria do peito quando ouvia alguém gritar: “Bate nele! Mete a mão na cara deste babaca Max”.

Procurava se concentrar em alguma coisa porque a briga estava para acontecer a qualquer momento. Mas sua razão lhe traía, ela o havia abandonado. Sua boca seca e a rigidez na nuca faziam com que percebesse cada vez mais que o medo travava seus movimentos, a pressão de fora o espremia para dentro e ele desaparecia diante do adversário. Ouvia de si mesmo: “covarde, você está morrendo de medo, seu merda!” Tentava escapar destes pensamentos e manter-se concentrado, mas eles retornavam fantasiados de pai e mãe, de amigos e da namorada. “Como vou ficar diante de todos eles?”, pensava ele.

Sem que percebesse o outro lhe deu um tapa que pode ser ouvido por todos, depois disso soltou uma gargalhada de vitória, como faz todo pugilista de rua que usa este estratagema para crescer diante da situação. “Ninguém para me ajudar”, pensou Max.

- Estou só eu e minha raiva contida.

O outro avançou e lhe deu um chute nas costelas, Max caiu e o peso de seu corpo arrastado pelo chão lhe fez sangrar.

- “Estou acabado”, pensou ele.

Parece que a honra é o pudor para os homens, preocupar-se com ela é arrumar um novo problema. Naquele momento, Max sentiu-se vencido e sem qualquer vestígio de honra, para só lhe restava apanhar e conferir força ao vencedor.

A sensação de humilhação tomou conta dele como a morte faz com o vivo, mas não era só isso, junto dela havia um cortejo onde também estavam presentes a vergonha e a invisibilidade. A partir daquele momento ele se tornaria invisível, um loser.

Ainda no chão Max reconheceu-se naquele lugar. Era um lugar comum para ele, como também era o do outro. Perdendo a briga ele manteria viva a crença de que existe alguém mais forte do que ele, apanhar tinha esta função. Max preferia ser espancado a abrir mão de sua fé. Para tanto, sua raiva deveria ser contida até onde não pudesse mais ser encontrada. Assim ele poderia esquecer que ela existia. Sua vida lhe passou diante dos olhos como uma seqüência de cárceres que se repetiam sem cessar, e onde o carcereiro era sempre um vencedor sem rosto.

O calor dentro dele aumentou demasiado, era como se o fogo fosse o mensageiro de um pedido de socorro de si mesmo; a palidez desapareceu e foi substituída por um rubor intenso. Todos perceberam que Max estava saindo do script e então foram tentar apartar os brigões, mas já não havia mais tempo. Max não estava funcionando com este tipo de controle, algo havia rompido dentro dele e não havia previsão do que poderia acontecer.

Ele ficou da cor de seu sangue e podia ouvir seu coração na própria pele. Olhando-o agora alguns comentavam que ele havia crescido de tamanho, mas isto não era verdade. Max passou a vida se diminuindo, agora estava apenas assumindo seu próprio tamanho. Para quem assistia era possível perceber que ambos tinham o mesmo tamanho.

Max não se reconhecia naqueles movimentos, mas também não desejou pará-los, aceitou que havia desejado entrar dentro da jaula do leão e ter com ele um embate. Conter sua raiva deixou de ser uma tarefa, usá-la a seu favor passou a ser sua fé.

Era possível perceber isto nos olhos de seu oponente, instantes depois ele estava no chão. Max abriu os supercílios, a boca e esgarçou a orelha esquerda de seu adversário. Foram preciso cinco homens para contê-lo com dificuldade, do contrário ele teria matado o outro.

Tudo se passou como se o espírito do oponente houvesse passado para o corpo de Max e vice-versa. Max se levantou com um sorriso no rosto, sujo de sangue, vitorioso. Entre olhares de receio e espanto ele foi se afastando do grupo com a sensação de dever cumprido. Afinal é isto que se espera de um homem, pensava ele. Agora ele se sentia como um homem de verdade. “Ninguém mais irá caçoar de mim”.

Na medida em que se distanciava daquela situação, sentia que as coisas haviam mudado para ele. Se alguém discordasse do que pensava, tomava aquilo como uma provocação. Não cumprir seus mandos era vivido como desacato, a lei passou a ser sua bandeira porque ele a criava. Max se transformou no outro, e enquanto tal precisava de brigas e de desafios para sentir-se existindo e conferindo sentido à sua vida.

Muitos homens são feitos nesta postos, mas alguns conseguem sair. Estes últimos todavia, encontrarão pelo caminho mulheres que lhes perguntarão: você é homem? Eles poderão escutar esta questão de dois modos.

No primeiro, transformarão as mulheres em adversários e manterão com elas uma atitude de briga eterna, na qual o sexo funcionará como reconciliador. Com estas, eles não poderão se envolver amorosamente porque só um tolo faria isto com o oponente que quer derrotá-lo. Manterão uma distancia necessária, formando relações em que a cólera se converterá em gozo erótico, e caminharão lado a lado com elas como grandes desconhecidos. Eles perceberão as mulheres em pedaços lascivos, como se eleas estivessem esquartejadas em seios, bundas e vaginas. Assim, elas perderão força e será possível aproximar-se delas.

No segundo, escutarão esta pergunta não como uma questão para si mesmos, mas para quem a formula. Quem pergunta, se ilude quando pensa que quem tem a resposta é o outro. Das coisas seguras, dizia um escritor, a mais segura é a dúvida, pois duvidar de si mesmo é sinal de inteligência. Sabemos muito pouco do que estamos fazendo neste mundo, e pouco sobre o que diferencia um homem de uma mulher; mas já sabemos que o pouco que os diferencia os fazem distintos, foi o que aprendemos com as lições de anatomia do Doutor Tulp.

Se a pergunta for escutada como expressão da inquietação da indagadora, será possível manter-se próximo dela, sem sucumbir ao impacto da ameaça que transforma qualquer perguntador em adversário. Somos todos perguntadores a procura de respostas. Perguntar exige um esforço porque nos põe em movimento, retirando-nos do descanso da certeza sobre quem somos. Homens e mulheres se fazem através do modo como solucionam suas dúvidas, não da idiotia de duvidar de tudo ou de não duvidar de nada, mas sim do compromisso em gerenciar as próprias inquietações.

Talvez assim possam existir relações cujo alimento seja uma cooperação inquietante; mais do que uma cólera erotizada, e a energia despendida nas tensões de briga será utilizada para capacitar o perguntador a conseguir separar as dúvidas sobre si daquelas sobre o mundo. Assim, terá escolhas, e poderá fazer da experiência amorosa uma aventura contínua de renovação e transformação, pois o tédio é uma invenção dos preguiçosos.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

SABRINA E A PRANCHA.

Teo começou a sessão contando um sonho e um encontro que aconteceu dias atrás na sala de espera de um aeroporto.

Seu sonho revelava o quanto a separação havia afetado sua vida, exigindo-lhe uma competência que lhe faltava. O encontro no aeroporto retratava seu esforço para expurgar rapidamente o seu mal estar porque ele ainda acreditava em uma vida plena e só de bem estar.

Disse-me ele:

-Tive um sonho com meus amigos. Estávamos na praia sob um céu azul e um mar perfeito para surfar. Meu final de semana estava começando e eu sentia uma enorme sensação de liberdade. O que me excitava era a possibilidade de encontrar a mulher que sempre desejei e que me faria sentir especial.

Pego minha prancha e vou para o mar. Quando olho para traz percebo que a praia estava deserta. Olho para frente e sinto que estou sendo puxado para dentro do mar. O céu escureceu e uma onda gigantesca levantou-se, subi em minha prancha e surfei. Sentia medo diante daquela massa de água que poderia acabar comigo.
A voz de uma criança quebrou o pavor criado pela imensidão das águas, mas eu não conseguia vê-la. Ela pedia ajuda, com esforço percebi que era meu filho. Um desespero tomou conta de mim.

Fui acordado pelo despertador e quis falar com meu filho. O sonho me pareceu tão real. O sentimento de nunca mais vê-lo deixou-me atordoado.

Eu precisava chegar cedo ao aeroporto para pegar a ponte das oito. No caminho me sentia estranho, mergulhado nas emoções do sonho.

Estacionei e fui preparar meu embarque. O aeroporto estava sem teto e não havia previsão de liberação dos vôos. Resolvi fazer algumas ligações.

Imerso no que fazia me abstraí daquele lugar. Algum tempo depois fui até o balcão para saber se o embarque havia sido liberado e me deparei com aquela mulher. Não consegui olhar para mais nada. Naquele lugar só existia ela e eu, todos haviam desaparecido. A sensação de estranheza apagou-se e eu desejei que o aeroporto continuasse sem teto pelo resto do dia. Eu estava em céu de brigadeiro.

Ficamos lado a lado no guichê. Enquanto ela fazia algumas perguntas eu pude sentir seu perfume, admirar sua voz, mãos e os cabelos estendidos sobre a pele morena. Seu sorriso era estonteante. Até aquele momento ela não precisava de retoques. Eu havia encontrado a Sabrina de Humphrey Bogart.

Viajaríamos no mesmo avião. Comecei uma conversa como se estivesse falando com um outro homem, eu não queria que ela pensasse de inicio que era uma cantada. Procurei ser racional, controlando qualquer expressão de meu desejo sexual.
Durante nossa conversa ela se mostrou assertiva, determinada, independente, preparada, competitiva, me fascinava a cada minuto. Nós éramos extremamente parecidos.

Fiquei com medo de seduzi-la e levar um pescoção ou ser acusado de assédio. A libido não circulava entre nós, parecia que eu conversava com meus amigos. Novamente um sentimento de estranheza me assolou e ao olhá-la percebi que era como se eu estivesse conversando com um outro homem, ou melhor, com o sexo forte, quer dizer, com uma mulher disfarçada de homem.

Naquele momento Sabrina desapareceu.

Lembrei de meu último casamento e percebi que mais uma vez minhas fantasias me fizeram tomar um caldo da realidade. Aquela mulher jamais aceitaria surfar em minha prancha.

Teo evitava dialogar com a angustia gerada pelo final de seu casamento como se isto fosse sinal de fraqueza. Conquistar era o recurso que ele dispunha para anestesiar as eventuais dores do viver. Ele não percebia que o casamento duradouro é uma prática de intimidade que exige como condição, antes de tudo, intimidade consigo mesmo.

A descoberta dos segredos do amor duradouro faz com que nossas angustias se tornem marolas onde ninguém se afoga e as idealizações ficam restritas ao exercício da imaginação.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

SE VOCE É HOMEM TROQUE O GALÃO DE AGUA.

- Elas não me pediram nada!

- Como não?

- Cara eu entrei no escritório e uma delas me disse que estávamos sem água imaginando que eu deveria resolver o problema. Como eu não fiz nada ela se virou e disse: “nós precisamos de um homem aqui para trocar o galão de água!” Eu respondi que elas não estavam procurando um homem, mas um burro de carga.
Você já viu alguma mulher britando rua com sol a pino? Ou descarregando pedra de caminhão em uma obra? Mano a igualdade não deve ser tão igual assim quanto parece.

- Eu cresci ouvindo mulheres dizerem que na próxima encarnação queriam nascer homem.

- Pois é, como se nascer homem garantisse a alguém a entrada no melhor dos mundos. É engraçado, mas elas pensam que todos os homens são iguais. Eu me lembro do Fernando dizendo que seus amigos eram sempre bons em tudo que faziam e ele se via constantemente longe disto.

- Deve ser por isso que a gente aprendeu a mentir e a dizer o que não somos. Neste caso, a mentira é um idioma, uma língua estrangeira que sempre consideramos como língua mãe. Eu não tenho que trocar galão de água coisa nenhuma.

- E nem pendurar sua masculinidade nisto.

- E daí o Teobaldo trocou.

- Com certeza, ele é o tipo de cara que depende do galão para se sentir homem. Você consegue imaginar alguma mulher desejando aquele cara? Ele é do tipo low people. Ele é autoritário, acha que mulher e nada são a mesma coisa. Conseguiu chegar aonde chegou porque de outro modo jamais teria alguém a seu lado.

- Ele é solitário.

- O cara acha que está acima do bem e do mal.

- Mas tem mulher que gosta disto.

- Você tem razão. Estas são aquelas que não conseguiram se livrar da necessidade de serem reconhecidas por caras como ele. Cara, todo Teobaldo tem sua Teoblada para poder teobaldar-se.

- O mundo está cada vez mais cheio deles e delas. Onde há excesso de imagem lá está Teobaldo, onde há arrogância, estupidez e violência. Teobaldo é um cara que precisa da raiva e do ódio para fazer com que as muitas mentiras que conta sobre si possam se converter na falsa verdade. Eles são brigões, presunçosos e pretensiosos. As Teobaldas também são assim apesar de parecerem frágeis e desprotegidas, essa é a mentira que contam sobre si mesmas.

- A violência que está ai é fruto dos anos de mentira que vivemos neste mundo órfão de verdade.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

ILUSAO

"Nao se 'e nunca enganado, engana-se a si mesmo"