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O QUE SENTIMOS PODE SER FALADO.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

BRIGA.

Max estava no limite. Ele sentia que daquele ponto em diante partiria para a briga. O sujeito o havia provocado de todas as maneiras como se soubesse de antemão que o derrotaria. Havia nas provocações a arrogância do vencedor diante do vencido. Max pensava nas conseqüências que sua atitude de recusa lhe trariam. Estava visivelmente pálido, ele sempre fugia de um enfrentamento apesar de nunca saber o motivo. O coração acelerado parecia que saltaria do peito quando ouvia alguém gritar: “Bate nele! Mete a mão na cara deste babaca Max”.

Procurava se concentrar em alguma coisa porque a briga estava para acontecer a qualquer momento. Mas sua razão lhe traía, ela o havia abandonado. Sua boca seca e a rigidez na nuca faziam com que percebesse cada vez mais que o medo travava seus movimentos, a pressão de fora o espremia para dentro e ele desaparecia diante do adversário. Ouvia de si mesmo: “covarde, você está morrendo de medo, seu merda!” Tentava escapar destes pensamentos e manter-se concentrado, mas eles retornavam fantasiados de pai e mãe, de amigos e da namorada. “Como vou ficar diante de todos eles?”, pensava ele.

Sem que percebesse o outro lhe deu um tapa que pode ser ouvido por todos, depois disso soltou uma gargalhada de vitória, como faz todo pugilista de rua que usa este estratagema para crescer diante da situação. “Ninguém para me ajudar”, pensou Max.

- Estou só eu e minha raiva contida.

O outro avançou e lhe deu um chute nas costelas, Max caiu e o peso de seu corpo arrastado pelo chão lhe fez sangrar.

- “Estou acabado”, pensou ele.

Parece que a honra é o pudor para os homens, preocupar-se com ela é arrumar um novo problema. Naquele momento, Max sentiu-se vencido e sem qualquer vestígio de honra, para só lhe restava apanhar e conferir força ao vencedor.

A sensação de humilhação tomou conta dele como a morte faz com o vivo, mas não era só isso, junto dela havia um cortejo onde também estavam presentes a vergonha e a invisibilidade. A partir daquele momento ele se tornaria invisível, um loser.

Ainda no chão Max reconheceu-se naquele lugar. Era um lugar comum para ele, como também era o do outro. Perdendo a briga ele manteria viva a crença de que existe alguém mais forte do que ele, apanhar tinha esta função. Max preferia ser espancado a abrir mão de sua fé. Para tanto, sua raiva deveria ser contida até onde não pudesse mais ser encontrada. Assim ele poderia esquecer que ela existia. Sua vida lhe passou diante dos olhos como uma seqüência de cárceres que se repetiam sem cessar, e onde o carcereiro era sempre um vencedor sem rosto.

O calor dentro dele aumentou demasiado, era como se o fogo fosse o mensageiro de um pedido de socorro de si mesmo; a palidez desapareceu e foi substituída por um rubor intenso. Todos perceberam que Max estava saindo do script e então foram tentar apartar os brigões, mas já não havia mais tempo. Max não estava funcionando com este tipo de controle, algo havia rompido dentro dele e não havia previsão do que poderia acontecer.

Ele ficou da cor de seu sangue e podia ouvir seu coração na própria pele. Olhando-o agora alguns comentavam que ele havia crescido de tamanho, mas isto não era verdade. Max passou a vida se diminuindo, agora estava apenas assumindo seu próprio tamanho. Para quem assistia era possível perceber que ambos tinham o mesmo tamanho.

Max não se reconhecia naqueles movimentos, mas também não desejou pará-los, aceitou que havia desejado entrar dentro da jaula do leão e ter com ele um embate. Conter sua raiva deixou de ser uma tarefa, usá-la a seu favor passou a ser sua fé.

Era possível perceber isto nos olhos de seu oponente, instantes depois ele estava no chão. Max abriu os supercílios, a boca e esgarçou a orelha esquerda de seu adversário. Foram preciso cinco homens para contê-lo com dificuldade, do contrário ele teria matado o outro.

Tudo se passou como se o espírito do oponente houvesse passado para o corpo de Max e vice-versa. Max se levantou com um sorriso no rosto, sujo de sangue, vitorioso. Entre olhares de receio e espanto ele foi se afastando do grupo com a sensação de dever cumprido. Afinal é isto que se espera de um homem, pensava ele. Agora ele se sentia como um homem de verdade. “Ninguém mais irá caçoar de mim”.

Na medida em que se distanciava daquela situação, sentia que as coisas haviam mudado para ele. Se alguém discordasse do que pensava, tomava aquilo como uma provocação. Não cumprir seus mandos era vivido como desacato, a lei passou a ser sua bandeira porque ele a criava. Max se transformou no outro, e enquanto tal precisava de brigas e de desafios para sentir-se existindo e conferindo sentido à sua vida.

Muitos homens são feitos nesta postos, mas alguns conseguem sair. Estes últimos todavia, encontrarão pelo caminho mulheres que lhes perguntarão: você é homem? Eles poderão escutar esta questão de dois modos.

No primeiro, transformarão as mulheres em adversários e manterão com elas uma atitude de briga eterna, na qual o sexo funcionará como reconciliador. Com estas, eles não poderão se envolver amorosamente porque só um tolo faria isto com o oponente que quer derrotá-lo. Manterão uma distancia necessária, formando relações em que a cólera se converterá em gozo erótico, e caminharão lado a lado com elas como grandes desconhecidos. Eles perceberão as mulheres em pedaços lascivos, como se eleas estivessem esquartejadas em seios, bundas e vaginas. Assim, elas perderão força e será possível aproximar-se delas.

No segundo, escutarão esta pergunta não como uma questão para si mesmos, mas para quem a formula. Quem pergunta, se ilude quando pensa que quem tem a resposta é o outro. Das coisas seguras, dizia um escritor, a mais segura é a dúvida, pois duvidar de si mesmo é sinal de inteligência. Sabemos muito pouco do que estamos fazendo neste mundo, e pouco sobre o que diferencia um homem de uma mulher; mas já sabemos que o pouco que os diferencia os fazem distintos, foi o que aprendemos com as lições de anatomia do Doutor Tulp.

Se a pergunta for escutada como expressão da inquietação da indagadora, será possível manter-se próximo dela, sem sucumbir ao impacto da ameaça que transforma qualquer perguntador em adversário. Somos todos perguntadores a procura de respostas. Perguntar exige um esforço porque nos põe em movimento, retirando-nos do descanso da certeza sobre quem somos. Homens e mulheres se fazem através do modo como solucionam suas dúvidas, não da idiotia de duvidar de tudo ou de não duvidar de nada, mas sim do compromisso em gerenciar as próprias inquietações.

Talvez assim possam existir relações cujo alimento seja uma cooperação inquietante; mais do que uma cólera erotizada, e a energia despendida nas tensões de briga será utilizada para capacitar o perguntador a conseguir separar as dúvidas sobre si daquelas sobre o mundo. Assim, terá escolhas, e poderá fazer da experiência amorosa uma aventura contínua de renovação e transformação, pois o tédio é uma invenção dos preguiçosos.

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