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quinta-feira, 2 de julho de 2009

Apagão da Masculinidade


Sócrates Nolasco(*)

APRESENTAÇÃO
Durante o ano de 2001, o governo brasileiro liberou subsídios para criação de programas para combater a violência. Esta foi a opção encontrada por ele, para responder as pressões feitas pela a opinião pública, mobilizada diante dos resultados de algumas pesquisas. Afinal, quais são as novas alternativas encontradas pelo governo para agir diante do crescimento de situações de violência?
Os recursos foram liberados sem levar em conta que os programas a serem criados devem considerar quem são os implicados diretamente nestas situações de violência, como apontam os relatórios produzidos pelo IBGE, IPEA e ONU/Pnud. Nenhuma ação foi deliberada considerando o segmento do sexo masculino da população brasileira. Diferente do que ocorreu no I Fórum Mundial sobre Saúde Masculina, realizado na Áustria, em outubro de 2001, onde foram criadas duas áreas de trabalho.
A primeira se refere a criação do Fórum de Saúde do Homem Europeu e a segunda a formação da Sociedade Internacional para Saúde do Homem. Neste primeiro Fórum, foram apresentados dados sobre a participação dos homens nas 15 principais causas de mortalidade no mundo e se comprovou que são eles que definem majoritariamente os óbitos. Na última década, a expectativa de vida do homem diminuiu, passando a ser 6 anos a menos que a da mulher.
A iniciativa brasileira para a liberação de recursos considerou apenas o quadro geral dos resultados. No que tange às mortes por causas externas (acidentes de trânsito, homicídios, tráfico de drogas, roubo e furto) os dados descrevem cenários de violência não localizados em alguma etnia ou classe social especifica. Todavia, chamam atenção para o modo como o sexo masculino está presente nos mesmos.
No Brasil, cinco pessoas são executadas por dia. E dentre elas 4 são homens. Se uma pessoa for do sexo masculino, negra, pobre e de idade entre 15 e 29 anos, com até 8 anos de escolaridade, tem 5 vezes mais chances de ser assassinada do que uma pessoa que não tenha nenhum destes atributos.
Para uma sociedade que se organiza por segmentos, por que será que não considerou justamente o segmento onde é elevado o índice de envolvimento com situações de violência e problemas de saúde? Este texto procura pensar alguns motivos deste "silêncio".


CRIME E CULTURA
Se não é o afastamento de Deus que está produzindo este quadro, então o que será? Os resultados estatísticos oferecem um primeiro elemento para iniciarmos uma reflexão sobre a questão. Porém, se esta análise se restringir a eles ficamos sem acesso à função positiva que a violência masculina tem para a cultura contemporânea.
A violência presente em determinadas culturas é analisada pelas ciências humanas e sociais segundo diferentes abordagens que buscam maneiras de "exorciza-la". De outro modo, Girard[1] mostra que a violência tem uma função para o grupo social do qual ela emerge. Esta função diz respeito à preservação do grupo mantido através dos sacrifícios "das boas vítimas" que como não foram vingadas devem ser satisfeitas rapidamente através de novos "sacrifícios". Em Girard encontramos uma violência que é de todos ao mesmo tempo em que está em todos, talvez porque sua existência confirme a hipótese de Genet. Segundo ele, a violência existe para acabar com a brutalidade[2]. Uma brutalidade que é fragmento da barbárie presente na desumanização do crime ou do agressor, compreendida superficialmente somente através de referenciais jurídicos ou políticos. Ao desconsiderar que o que produz o crime são configurações emocionais carregadas de espessas camadas de inveja, indiferença, vaidade, arrogância e desesperança, perde-se a possibilidade de entender que a raiva necessária para executá-lo não se restringe apenas àquele que mata, estupra ou trafica, mas também àqueles que dele se beneficiam, como o fazem certas elites políticas e financeiras.
No contemporâneo a "barbárie" pode ser identificada através da concepção simplista sobre o valor do vínculo social, como também através da negligência destas sociedades com a importância que ele tem para seus integrantes. Se o vínculo se restringe às dimensões do mercado e da economia, então não há muito o que fazer para aumentar a capacidade individual para aprimorá-lo. Como conseqüência disto, temos uma cultura que se comunica por meio de um hiperrealismo[3] sem relevos simbólicos e através de imagens sedutoras que nada contribuem para fortalecer o processo de singularização individual.
Entre alguns aspectos da "barbárie" destaco ainda, a banalização dos processos de individuação. O crime é uma tentativa caótica e paradoxal de saída do banal, servindo como agente restaurador de potência para um indivíduo que se sente impotente diante de suas necessidades de singularização. O crime recria no herói o que nele foi banalizado pela cultura, positivando assim, o avesso de sua humanidade. Deste modo, considero que uma das funções da violência é restituir ao indivíduo uma perspectiva de futuro que desapareceu antes mesmo dele existir.
A "barbárie" representa esta ausência de futuro alojada no presente do indivíduo e que a violência tenta dizimar. Quando um homem espanca busca possuir a vontade da vítima e por meio dela, reconstituir um futuro no qual se sente reconhecido por ela ou pelo que ela representa. Por sua vez, quando um agressor age, o faz munido de sentimentos que transbordam e buscam na força física encontrar algum continente para os mesmos. Para este indivíduo, a falta deste continente pessoal exacerba sua necessidade de reconhecimento por parte da vítima, que antes de se tornar uma, carrega consigo este poder de fazer com que o agressor, antes de ser um, sinta-se potente e valorizado. Ele se sente profundamente dependente da vítima e do que ela representa para ele. Em alguns momentos o agressor se sente identificado com a fragilidade da vítima e sua fúria aparece porque a imagem que tem de si como homem não comporta a intensidade deste sentimento. A perversão criminosa presente no agressor é expressão do fracasso de sua capacidade criativa para resolver a tensão entre o sentimento de ser homem e a intensidade da fragilidade que experimenta.
Sem reconhecimento não há futuro, nem para quem tentará encontra-lo na agressão, nem para quem sofrerá as conseqüências da mesma. Portanto, esta ausência de futuro vivida por ambos pode ser identificada tanto em situações objetivas (situações de miséria e segregação), quanto subjetivas( reconhecimento, valor e estima para si mesmo).
As sociedades contemporâneas, ao buscarem através de múltiplos discursos, instrumentalizar possíveis "vítimas", de modo que elas aprendam a se defender de seus "agressores", tendem a fazê-lo preservando aspectos da "barbárie relacional" causadora desta situação. Uma "barbárie" identificada através do modo como os discursos libertários se posicionam diante do princípio de alteridade e consequentemente daqueles que são considerados possíveis agressores. Por exemplo, o feminismo ao mesmo tempo que se estrutura como um movimento que tem intenção de cotejar os agressores, reivindicam uma paridade estatutária com os homens, que são examinados como herdeiros diretos dos mesmos. Uma compreensão superficial e politicamente correta sobre a violência conduz a generalizações sobre a função que a mesma tem para este segmento de indivíduos. Com isto, o problema social que relaciona homens e violência não foi contemplado no rol das políticas públicas traçadas para atuar sobre a violência. Para este segmento de indivíduos, o governo ainda adota ações genéricas, pouco assertivas e inconsistentes para tratar a questão.
Assim sendo, quando as sociedades contemporâneas estabelecem que o sucesso individual só é conquistado por meio de comportamentos agressivos e competitivos, estão adotando determinadas características do comportamento agressivo para estabelecer como seus indivíduos devem caminhar. Com isto, passaram a disseminar uma idéia de militarização do vínculo. Tal postura prescinde dos matizes inerentes ao vinculo social, determinando que, para vencer, o indivíduo deve escolher o lado claro e não o escuro; ser winner e não loser, filiar-se ao ocidente e não ao oriente. Diante desta perspectiva, o indivíduo perde a possibilidade de inventar novas formas de singularização para si mesmo, sua vida e futuro, cabendo a ele cumprir uma agenda cujo roteiro é superficial, polarizado e de aparências.


A VIOLÊNCIA E OS HOMENS
Afinal, por que nos dias de hoje em todas as classes sociais e etnias os homens se envolvem mais em situações de violência do que as mulheres? E por que com tanta intensidade os homens mais novos?
A resposta de que seriam os hormônios ou os genes os responsáveis por tal feito salta como uma explicação fácil mas que não se sustenta como argumento no interior de culturas produtoras do desejo high-tech. Nem a biologia nem a miséria sociológica determinam tais situações. Então, o que poderia estar funcionando como um princípio propulsor? Que sentido tem para um homem morrer jovem, quer seja ele Brasileirinho ou Senna? Será que morrer jovem é um modo de se opor aos valores do mundo tradicional, a exemplo de Casimiro de Abreu e Álvares de Azevedo? Certamente que não.
Contudo, são os homens que definem o comportamento das curvas de violência, quer sejam eles promotores ou vítimas das mesmas. A exemplo disto, temos a polícia que contribui para elevar tanto o índice de homicídio quanto o de suicídio dentro das corporações.
Este quadro só se restringe ao Brasil se considerarmos o valor absoluto dos dados. Todavia, o envolvimento dos homens com situações de violência também está presente nos Estados Unidos, Canadá e países da Europa.
O envolvimento dos homens em situações de violência é um fato que tem por função reparar e manter o ideário contemporâneo que margeia as ações individuais. Se tomarmos como exemplo o argumento central sobre o qual foram concebidos os discursos de minoria, veremos que ele foi composto por um misto de situações de vitimização e reivindicação. A reparação da "vítima" se faz através da incorporação de algum tipo de insígnia/patrimônio do "agressor", quer seja equiparação salarial, étnica, política ou de sexo.
Na cena contemporânea, o herói tradicional é aquele que detém os privilégios que serão partilhados igualitariamente, com quem não usufrui dos mesmos, a exemplo das "minorias". Para as sociedades tradicionais o herói era homem, branco e heterossexual, enquanto que para as sociedades contemporâneas passou a ser mulher, negro e homossexual. Esta mudança nas características do que confere status ao herói não foi suficiente para alterar os ideais de conquista e busca de poder presentes no mundo das tradições. Ao invés disto, eles foram estendidos a outros indivíduos viabilizando para eles o acesso a diferentes posições de prestígio e poder. Reivindicar este privilégio passou a ser um exercício recorrente que confere identidade às minorias.
Os discursos de minoria ao mesmo tempo que fazem uma crítica ao herói tradicional e a seu mundo, mantém através do que reivindicam, algumas características deste herói e seu mundo. Para este texto, considero a masculinidade[4] como sendo uma referência que oferece acesso ao mundo de privilégios, liberdade, conquistas e poder exercidos na esfera pública. O ingresso neste universo conseguido através de agressividade e competição se mantém presente nas sociedades contemporâneas. Assim como a história dos heróis tradicionais pode ser contada por intermédio das guerras, a dos contemporâneos também poderá .
A masculinidade tem uma marca guerreira que não precisa ser necessariamente bélica. A violência tem mostrado que para alguns homens ela ficou reduzida a isto. Contudo, atualmente esta masculinidade bélico-guerreira passou a ser aspirada por muitos, tornando-se um "alimento" para as exigências do politicamente correto. Foi a ideologia do politicamente correto que fez com que um avião jogasse bombas sobre o Afeganistão e em seguida um pacote de comida.
Quando as reivindicações do "ideário do correto" são atendidas, cria-se um mecanismo social que faz com que a masculinidade seja estendida para além das fronteiras do sujeito empírico, passando a ser adotada como uma referência de acesso ao mundo de privilégios e bem-estar. Os indivíduos que se envolvem com mais freqüência em situações de violência são aqueles que sentem que o que os marca acidentalmente[5] (sexo e etnia) não confere positividade a suas identidades, o que dificulta a criação da própria pessoalidade. Os homens ficaram sem pertencer a um segmento valorizado socialmente, diferente do que ocorreu com o negro, a mulher e o homossexual.
Este novo herói tem como função continuar cedendo sua masculinidade para que ela sirva de inspiração às "mudanças de gênero" consolidadas depois do limiar do século XIX e nas décadas que o sucederam.
As questões de "gênero" são herdeiras do dispositivo criado pelas ciências humanas e sociais que permitiu que a representação do sujeito empírico fosse descolada dele mesmo, fazendo com que, por exemplo, o sexo biológico se desarticulasse de seus significados dentro da cultura. Com isto, masculinidade e feminilidade passaram a ser denominações utilizadas para referir-se a homem e mulher independente da marca biológica. Assim, foi possível um sexo aspirar o que a cultura definia como sendo do outro. Várias falas se ergueram para realizar tal empreitada ampliando este modelo. Este também passou a ser adotado para sistematizar reivindicações étnicas e de orientação homoerótica.
O exercício de descolamento do sexo de sua representação é recorrente na sociedade contemporânea. Para a sociedade do efêmero, o acidente humano não é o que funda a relação do indivíduo com ele mesmo. Deste modo, deixou de ser relevante se ele (ela) nasce - homem ou mulher, branco ou negro. Para a perspectiva que imagina o indivíduo como uma construção social, isto pouco importa. Sexo ou etnia não têm relevância para uma sociedade que se denomina libertária, igualitária e soberana quanto a liberdade de escolha e expressão.


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando o envolvimento dos homens com situações de violência, nos deparamos com um fenômeno que aglutina em torno de si indivíduos que sentem-se sem escolha e sem história. Para eles, a violência é a possibilidade de expressão do que foi e é a história de suas vidas, uma história cuja narrativa apresenta o percurso de um herói sem rumo e sem futuro.
A irracionalidade presente nas situações de violência, por outro lado nos faz pensar no esforço empreendido pelas sociedades tradicionais para contê-la e com isto, proteger seus integrantes a fim de lhes assegurar prosperidade. Nestas sociedades, como nos mostra Girard, o sagrado é uma conseqüência deste esforço, na medida em que se mostra eficiente para inibir os riscos da banalização do que confere unidade, sentido e significado social. Desta forma, são favorecidos os vínculos de coesão e pertencimento.
Um dos efeitos deixados pelas marcas do sagrado diz respeito ao valor positivo que ele confere à representação social masculina circulante nas sociedades tradicionais. As sociedades contemporâneas mudaram radicalmente esta dinâmica ao apresentarem o herói masculino[6] como decrépito e sem viço. As narrativas sobre o herói masculino contemporâneo desapareceram nestas sociedades, bem como, nelas o sagrado perdeu sua força simbólica e de comunicação, necessárias para conter situações de violência.
Dentre as funções do sagrado, existe uma que se presta a produzir operadores sociais que sirvam de mediadores entre os sistemas de crenças e o comportamento dos indivíduos. As representações de homem e mulher são um exemplo de elementos usados por estes operadores. As representações sociais servem para compor narrativas usadas pelos indivíduos no cotidiano. Por meio delas, eles poderão sentir-se valorizados e mantenedores da cultura da qual fazem parte.
Os mitos foram operadores eficientes para cumprirem esta tarefa. Na falta de um mito masculino contemporâneo que cumpra a função de dar suporte as transições para a adultez, a violência masculina cresce e se organiza em torno de uma crença que afirma que se um homem que não serve para servir não serve para viver. Talvez o descaso para com estas questões e o compromisso social exclusivamente voltado para a problemática da mulher, demonstrem que há uma expectativa de extermínio da figura masculina no contemporâneo.
A partir do individualismo moderno a representação social masculina entra em declínio mergulhando em um longo processo de decadência. Com o fim dos "metarrelatos", este declínio chega até o final do século XIX desencadeando "crises de identidade" e, posteriormente, a "crise masculina". Uma crise necessária que beneficiou a consolidação dos movimentos sociais de emancipação permitindo a positivação de identidades até então negativadas (mulher, etnias e homossexuais). Por outro lado, tal crise tornou-se um dispositivo promotor de situações violentas na medida em que, para as sociedades ocidentais, ser homem passou a significar sinônimo de truculência , boçalidade ou daquele que é politicamente incorreto.
As sociedades de hoje analisadas pela perspectiva de gênero passaram a usar no mínimo duas "masculinidades". Dentre seus fragmentos, um deles se firma como um conceito que representa o mundo das tradições combatido pelos discursos de "minoria", com a qual os homens foram identificados. O outro sinaliza as conquistas do mundo civilizado e seu modo de acesso a ele. Este último serve como parâmetro para medir os avanços e conquistas dos direitos indivíduais. É comum em alguns textos feministas a presença da denominação "masculinidades", que não é um operador social, mas foi criado para dizer que há muitas formas de ser homem. Como se fosse possível em algum momento da história existir uma única maneira de sê-lo. Todavia, esta literatura não trata o feminino dentro da mesma prerrogativa conceitual e portanto, não encontraremos um termo correspondente denominado "feminilidades". Talvez porque o feminino enquanto um conceito não deva fragmentar-se como foi feito com a masculinidade, já que sua função é manter a unidade necessária para aglutinar a diversidade das questões dos sujeitos empíricos do sexo feminino e servir como porta voz para o movimento de mulheres. A afirmativa "toda mulher tem direito a ..." ou ainda " a violência contra a mulher..." trata ao mesmo tempo do sujeito empírico e de seu correspondente representacional no interior das culturas. Neste caso, não houve uma descolamento destas duas dimensões. Por sua vez, mulher e feminilidade vão se tornando no contexto contemporâneo, cada vez mais designações distintas. A denominação mulher se firma diante da do feminino que passa a ser considerada uma nomeação tipicamente masculina e deve ser preterida pelo sujeito empírico. O desaparecimento do feminino[7] e do que se opõe a ele, pode ser pensado como expressão do fim do princípio de alteridade, fundador e mediador do vínculo social. A violência surge para tentar impedir este fim.
Porém, a associação do conceito de homem com o de feminilidade passa a ser recorrente nos textos sobre gênero que tomam esta associação como referência para se falar de uma "nova" representação para os homens. Esta denominação segue por um outro viés que não é o da alteridade.
A violência masculina enquanto ato é expressão da confusão contemporânea do gender bender que passou a restringir o ser homem a situações agressivas e violentas. Esta perspectiva retrata o fracasso de uma sociedade que tenta abrir mão de seu destino alteritário, passando a definir que nela, lugar de homem é lugar do Mal. Um mal expresso por mortes que enquanto violência, é a masculinidade que os mais jovens tentam possuir.
Diante da falta de representações masculinas positivas, a violência emerge como um recurso para tirar alguns homens do "apagão" em que se encontram. Por outro lado, esta cadeia de mortes aponta para um outro fracasso destas sociedades do presente. Cada vez mais desaparece de dentro delas o investimento necessário para crescerem vínculos de gratidão, respeito, generosidade e cooperação. Tais vínculos poderiam ser o resultado do compromisso firmado pelos homens mais velhos com os mais novos. Contudo, as culturas ainda não conseguiram produzir lideranças com este calibre de civilidade. Algumas lideranças contemporâneas demonstram, pelos seus atos, que ainda têm a mesma organização emocional da barbárie.
A cada homem que sucumbe em situações de violência tomba com ele dimensões do feminino naufragado em contextos regidos pela ausência de alteridade. O tom acusatório e depreciativo, comum de se encontrar nos diálogos contemporâneos sobre a presença dos homens no mundo, retratam bem este estado de coisas. Atualmente vigora um despreparo e um descompromisso estratégico com estas questões que fazem com que a população de homens diminua.
Para quem deseja de fato compreender por que um homem mata e agride, é necessário pensar nos processos culturais que criam soldados e os ensinam a puxar o gatilho. Também é necessário pensar nas cifras produzidas pelas nações que investem pesado na industria de armamento e de guerras. E na ausência de generosidade das lideranças brasileiras, que desprezam por exemplo, o esforço criativo de meninos malabaristas que atuam como circenses nos semáforos do Rio de Janeiro, demonstrando dignidade.
Para quem pretende auxiliar estes meninos a serem homens que não substituirão os malabares por um revolver e que portanto, desaprenderam o ofício de recorrer a ele como fazem os exércitos, certamente que o caminho não será disparar sobre eles o gatilho de uma arma certeira apontada para sua alteridade. Mesmo que o tiro seja de batom.


Referências bibliográficas
BAUDRILLARD, Jean. O Crime Perfeito. Lisboa: Relógio D' Água Editores, 1991.
__________ . A transparência do Mal: ensaios sobre fenômenos extremos. 2 ª edição. Campinas: Papirus, 1992.
GIRARD, René. A violência e o sagrado. São Paulo: Editora UNESP, 1990
NOLASCO, Sócrates. De Tarzan a Homer Simpson: banalização e violência masculina em sociedades contemporâneas ocidentais. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2001.



(*) Psicólogo, Professor Doutor ECO/ UFRJ; Coordenador do Programa PAI - 24 hs e autor dos livros: De Tarzan a Homer Simpson: banalização e violência masculina; O mito da masculinidade A desconstrução do masculino; O Primeiro Sexo e outras mentiras sobre o segundo.


[1] GIRARD, René. A Violência e o Sagrado
[2] Desta parte em diante do texto passarei a adotar a palavra barbárie para me referir a uma dimensão desta brutalidade. Esta denominação está sendo utilizada porque demarca um conjunto de relações entre indivíduos estabelecidas a partir da negação do princípio de alteridade. Aqui a designação barbárie não está restrita a um determinado momento da história, mas como resquícios de um modo de relação que sobrevive entre os indivíduos no mundo civilizado.
[3] BAUDRILLARD, Jean. A Transparência do Mal
[4] Nestes termos a masculinidade é uma idéia que agrega em torno de si uma série de imagens que disponibilizam para o indivíduo o modo como ele deve agir diante das situações que enfrenta na vida. Para tanto as culturas organizaram mitos e heróis oferecendo a seus integrantes recursos para lidarem com eles mesmos e os grupos no qual se inserem.
[5] Considero como sendo aquela que o indivíduo não escolhe mas, apesar disto, nasce com ela. Incluo ainda, como parte desta marca, aspectos herdados de seus ancestrais e as tradições pertencentes aos mesmos.
[6] NOLASCO, Sócrates. De Tarzan a Homer SImpson
[7] BAUDRILLARD, Jean. O Crime Perfeito

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